segunda-feira, 25 de março de 2024

Sem uma Espiritualidade Reinocêntrica as Igrejas Cristãs não têm saída: Ponderações acerca dos atuais retrocessos ante a Tradição de Jesus

 Sem uma Espiritualidade Reinocêntrica as Igrejas Cristãs não têm saída: Ponderações acerca dos atuais retrocessos ante a Tradição de Jesus 


Alder Júlio Ferreira Calado


Também na história do Movimento de Jesus, a Espiritualidade Reinocêntrica é alimentada pelo exercício constante da memória profética. Hoje, dia 24/03, duas efemérides nos vêm ao espírito: a memória do martírio de Dom Oscar Romero, Arcebispo de São Salvador, em 24 de março de 1980, e, antes dele, nos vêm ao espírito as vítimas da Ditadura Militar da Argentina (1976-1985), das quais nos toca profundamente a resistência profética das Mães da praça de maio.


O crescente distanciamento dos ensinamentos da Tradição de Jesus, observável a olhos vistos, no cotidiano de parte expressiva dos que se confessam cristãos (Católicos, Protestantes, Ortodoxos), em escala mundial, nos tem levado a enfrentar questionamentos do tipo: O que explica o espantoso número de escândalos (Econômico-financeiros, Morais e outros), a envolverem conhecidas figuras de Padres, Pastores, Bispos Cristãos? O que está por trás do descrédito crescente de instituições religiosas? Como explicar a expansão incessante do número de Padres, Pastores e Bispos, cujas práticas traem os ensinamentos do Evangelho? Como entender as crescentes afinidades observáveis entre Católicos e Evangélicos neopentecostais, protagonistas de causas claramente distanciadas dos valores fundamentais do Evangelho, e, ao mesmo tempo, profundamente afinados com as causas mais abomináveis da extrema-Direita?


Nas linhas que seguem, cuidaremos de refletir brevemente sobre tais indagações, ousando sustentar, como hipótese  - com várias outras pessoas - que as experiências de ontem e de hoje de um modelo de Igreja auto-referenciada têm levado inevitavelmente a uma negação objetiva dos valores axiais da Tradição de Jesus - o Reino de Deus e sua Justiça (CF. Mt 6,33). 


A este propósito, o Papa Francisco, em seus escritos, mensagens e discursos, não têm cessado de insistir na repreensão de grande parte do Clero, que se torna refém de uma Igreja Auto-referenciada, desconectada da Tradição de Jesus, em relação à qual a Igreja (e toda Igreja que se confessa cristã) deve ser sinal ou instrumento a serviço do Reino de Deus. Desde sua primeira Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium”, o Papa Francisco cuida de alertar os agentes de Pastoral inclusive o Clero sobre isto, de modo a classificar o clericalismo como uma espécie de enfermidade que infesta a Igreja Católica, nos dias atuais, chegando mesmo a tratá-los como “funcionários do Sagrado”. No n.95 da E.G., por exemplo, lemos “Também se pode traduzir em várias formas de se apresentar a si mesmo envolvido numa densa vida social cheia de viagens, reuniões, jantares e recepções. Ou então desdobra-se num funcionalismo empresarial, carregado de estatísticas, planificações e avaliações, onde o principal beneficiário não é o povo de Deus mas a Igreja como organização. Em qualquer um dos casos, não traz o selo de Cristo encarnado, crucificado e ressuscitado, encerra-se em grupos de elite, não sai realmente à procura dos que andam perdidos nem das imensas multidões sedentas de Cristo. Já não há ardor evangélico, mas o gozo espúrio duma autocomplacência egocêntrica.


O ascenso da extrema-Direita, seja no âmbito internacional, tem recorrido abusivamente a diversas igrejas  - e com sucesso!-, como meio eficaz de propagação de sua ideologia. Isto não se faz, sobretudo por parte das lideranças eclesiásticas (pastores e padres), sem uma atitude objetiva de atraiçoamento dos valores centrais do Evangelho: a compaixão pelas vítimas das injustiças sociais a solidariedade com os sofredores e humilhados, a partilha dos bens comuns, o cuidado com a Casa Comum, entre outros.


Embora tais contradições se verifiquem ao longo de séculos de Cristandade, nunca é demais rememorar a resistência profética testemunhada, ao longo desses mesmos séculos pelas “minorias abraâmicas”, como as chamava Dom Helder Câmara, é certo que houve, ao longo deste mesmo tempo, alguns períodos densamente proféticos como vimos na América Latina, entre os anos 60 e 80, com o protagonismo de toda uma geração de bispos-profetas. Mas, isto se dá raramente, justamente graças a sua atitude renocentrica, isto é, de não sucumbirem a tentação de buscar fazer prevalecer os interesses institucionais sobre os valores do Reino de Deus


O Papa Francisco, ao fazer esta e outras críticas, apenas atualiza o Espírito da Constituição “Lumen Gentium”, cuida de definir a Igreja como Instituição que, fiel ao Projeto de Jesus, é chamada a testemunhá-lo em meio ao Povo de Deus, a serviço da humanidade, sem pretensão a nada impor, mas em diálogo aberto com todos os povos e nações. Lamentável é que, hoje prevalece muito contra-testemunho por parte de tantas figuras clericalistas, inclusive leigos, a atuarem como meros funcionários a serviço dos interesses institucionais da Igreja, distanciando-se dos valores do Reino de Deus e sua Justiça. Valores de fraternidade/solidariedade, de partilha, de diálogo, de solidariedade com os mais necessitados e de serviço gratuito, não de denominação.


Com relação a outras Igrejas, o atual contexto apresenta atitudes semelhantes, de um descompromisso com a mensagem nuclear da Tradição de Jesus. Por meio de rígidos laços de hierarquia, não raramente chefes eclesiásticos agem como se fossem o alvo principal do culto e das atividades de várias Igrejas e denominações.


Agem, salvo exceções, em função dos interesses institucionais, pouco ou nada ligados diretamente aos valores do Evangelho. Não raramente, chefes eclesiásticos (pastores, padres, bispos…) se acham envolvidos em práticas e prédicas a serviço dos seus próprios interesses, ainda que o façam em nome de Deus ou da própria instituição que dirigem. Uma situação frequente, ao alcance dos olhos de muitos fiéis, têm a ver com sua agenda ordinária, recheada de campanhas e iniciativas preocupadas com o aumento do dízimo e das contribuições, seja persuadindo seus fiéis a aumentarem suas contribuições, seja envolvendo-os em campanhas arrecadatória para fins eclesiásticos discutíveis (reforma de prédios, novas construções, aquisição de bens duráveis nem sempre necessário, etc.). Tudo isto se fazendo com pouca transparência ou nenhum controle público efetivo.


Não se trata de casos isolados, mas de uma tendência crescente, a revelar ter a ver com um modelo de Igreja autocentrado e cada vez mais desconectado do movimento de Jesus. Revelam um progressivo afastamento de uma Espiritualidade Reinocêntrica, que podemos traduzir, na expressão já cunhada pelo Bispo de Roma, como uma “Igreja em saída”, uma Igreja samaritana comprometida com a causa libertadora dos mais necessitados: O grito da Mãe terra, os povos originários, as mulheres vítimas de  feminicídios e de violências de todo tipo, as vítimas de homofobias, as comunidades quilombolas, os jovens marginalizados do campo e das periferias urbanas, os moradores em situação de rua, os migrantes entre outros.


Eis por que insistimos, junto com tantas outras vozes, em que sem uma Espiritualidade Reinocêntrica, não há saída para as Igrejas Cristãs . Neste sentido, recomendamos o aprofundamento do exercício da memória profética e da autocrítica, desde o chão do nosso cotidiano, recorrendo inclusive a leituras comunitárias, tais como as que vimos fazendo de livros como “50 Anos de Teologias da Libertação” “Contemplando e Anunciando os Sinais do Reino” (de autoria de Glaudemir da Silva), sem esquecermos dos luminosos textos produzidos pelo CEB (Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos), entre tantos outros.                                                                                                                                 


Eis por que insistimos, junto com tantas outras vozes, em que sem uma Espiritualidade Reinocêntrica, não há saída para as Igrejas Cristãs . Neste sentido, recomendamos o aprofundamento do exercício da memória profética e da autocrítica, desde o chão do nosso cotidiano, recorrendo inclusive a leituras comunitárias, tais como as que vimos fazendo de livros como “50 Anos de Teologias da Libertação” “Contemplando e Anunciando os Sinais do Reino” (de autoria de Glaudemir da Silva), sem esquecermos dos luminosos textos produzidos pelo CEB (Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos), entre tantos outros.       

João Pessoa, 24 de março de 2024

    


 


terça-feira, 19 de março de 2024

A religião como Projeto de poder político: Notas sobre a expansão no Brasil da Teologia do Domínio

A religião como Projeto de poder político: Notas sobre a expansão no Brasil da Teologia do Domínio


Alder Júlio Ferreira Calado


Mergulhados em tempos distópicos e tenebrosos, assistimos, perplexos, à crescente expansão, em escala mundial, da extrema-Direita, movida pela ideologia fascista, centrada em contra-valores tais como a violência, a mentira contumaz, a hipocrisia, todos promovidos, em grande parte, pela mídia hegemônica, especialmente por suas redes digitais. Neste movimento deletério dos princípios elementares que norteiam o processo de humanização, o apelo à religião tem se dado de modo abusivo, especialmente por meio de seus próceres. 


Nas últimas décadas, com efeito, temos constatado avanços significativos da onda neofascista, na Europa, na América-Latina e alhures, como manifestação emblemática do desenvolvimento capitalista, em sua fase / face neoliberal, em seu potencial extremamente devastador, seja das condições socioambientais, seja das condições econômicas (com graves consequências no aumento das desigualdades sociais, seja no âmbito político, seja no âmbito cultural).


No caso específico do Brasil, salta aos olhos o recurso abusivo que seus representantes têm feito da Religião como meio privilegiado de impor uma ideologia teocrática, apelando também para os mecanismos de controle dos aparelhos de Estados. É assim que diversas denominações ditas Evangélicas, em parceria com segmentos neopentecostais católicos, têm recorrido, por diferentes estratégias, à promoção de iniciativas e eventos, com o claro propósito de proselitismo, seja em redes de televisão, de rádios, de periódicos, seja investindo maciçamente na eleição de candidatos e candidatas a cargos com mandato executivo e legislativo, tanto na esfera municipal, tanto no plano estadual, quanto na esfera federal. Também no âmbito do Judiciário, sua presença se faz notar. Importa, ainda, ter presentes suas investidas nos aparelhos repressivos do Estado. 


Tal como a conhecida Teologia da Prosperidade, na qual se fundamentam ricos pastores de várias denominações evangélicas, de modo a induzirem grande número de seus seguidores a manterem e até a aumentarem sua contribuição mensal, dita “Dízimo”, sob a promessa de que Deus multiplicará seus bens e abençoará suas vidas, vem ganhando força a chamada “Teologia do Domínio”, cujos traços principais cuidamos de destacar.  


Cumpre, antes de tudo, assinalar a relação  orgânica entre  a Teologia do Domínio e o movimento mundial da extrema Direita, em suas estratégias de submeter a sociedade civil ao cerrado controle ideológico dos princípios e valores totalitários que a  caracterizam. O controle ideológico constitui um pilar decisivo de suas diversas estratégias de controle total da vida social, econômica, política, cultural, subjetiva, ética, estética e espiritual.


Cada uma dessas dimensões se mostra como alvo direto ou indireto de seu projeto totalitário. Recorrendo a um exemplo ilustrativo deste projeto, podemos mencionar a recente fala feita pela ex-Primeira Dama do Brasil, quando do recente Ato público, realizado na Avenida Paulista em São Paulo, a pretexto de esclarecimentos e em defesa do ex-Presidente do Brasil. Tal Ato, em sua abertura, remetia ou lembrava, antes, a realização de um culto, cujo rito se mostrou caracterizado por forte traços da Teologia do Domínio, à medida que a ex-Primeira Dama, usando e abusando de textos Bíblicos do Antigo Testamento, em uma interpretação fundamentalista, conclamava seus ouvintes a uma batalha em defesa do Bem e contra o Mal, em que o Mal corresponde a todos aqueles que não concordam com os propagadores da Teologia do Domínio, tornando-se, por isto mesmo, perigoso inimigo a ser combatido e exterminado.               


Outro traço da Teologia do Domínio é o abuso de uma hermenêutica supremacista do Antigo Testamento, com o propósito de lastrear suas teses de submissão da humanidade a dogmas supremacistas veterotestamentários, aos quais tenta submeter, inclusive, os ensinamentos do Novo Testamento e do próprio Evangelho. Trata-se da substituição do Deus-Amor pelo Deus dos exércitos, sempre pronto a combater e a exterminar todos os que não lhe prestam obediência. Ou seja, a Teologia do Domínio, em sua insensatez, persegue todos os diferentes como inimigos, sob a alegação de estarem contra Deus, o seu Deus. 


O apelo abusivo ao nome de Deus só agrava o teor de uma ameaça de desfiguração da condição humana, à medida que vivencia e tenta legitimar, como se os valores fossem da condição humana, traços mais perversos da mesma condição humana, situação que se pode observar por suas posturas e atitudes não raro desumanizantes, ecocidas, misóginas, androcêntricas, racistas, xenofóbicas, aporofóbicas, islamofóbicas, homofóbicas, transfobicas, entre outras. 


Seguir estudando criticamente como se estrutura e organiza a Teologia do Domínio e suas manifestações no atual cenário internacional e nacional constitui relevante tarefa, como meio de combatê-las em suas raízes. Para tanto, convém (re)visitar alguns estudos que nos fornecem elementos históricos do aparecimento e evolução deste fenômeno. Nesse sentido vale a pena (re)ler, por exemplo, um estudo feito por Delcio Monteiro de Lima em seu livro “Os Demônios descem do Norte” (Editora Francisco Alves, 1987), bem como - agora, já sobre o tema específico - o livro “Heaven on earth?: the social & political agendas of dominion theology” (1992). 


No que toca especificamente ao caso brasileiro cumpre lembrar o empenho investigativo de João César de Castro Rocha e outros, a exemplo de Andrea Dip, em seu livro “Em nome de quem?: A bancada evangélica e seu projeto de poder” (Editora Civilização Brasileira, 2018). Neste sentido, recomendamos acompanhar mais de perto seus escritos e entrevistas, a exemplo da concedida por João César de Castro Rocha no podcast Pauta Pública. 


Nesta entrevista, podemos ler: “Em meio ao avanço de investigações da Polícia Federal sobre as suspeitas de um plano de golpe de Estado por parte de Jair Bolsonaro e seus aliados, o ex-presidente reuniu milhares de apoiadores na avenida Paulista no dia 25 de fevereiro. Para o historiador e professor de literatura comparada na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) João Cezar de Castro Rocha, no futuro os historiadores verão essa manifestação como um momento sintomático de algo que há muito tempo se articula nos bastidores: pela primeira vez, tornou-se explícito o projeto da teologia do domínio. No episódio 109 do podcast Pauta Pública, o professor explica as dimensões religiosas da manifestação bolsonarista. Segundo Castro Rocha, a teologia do domínio usada nos discursos de Michelle Bolsonaro e Nikolas Ferreira foi desenvolvida nos Estados Unidos e, recentemente, adotada no Brasil. Ela é a base da doutrina de várias igrejas, como a da Lagoinha, diz o professor.” (https://apublica.org/2024/03/teologia-do-dominio-e-mais-perigosa-para-democracia-que-bolsonarismo-diz-historiador/


Um final sintomático desta investida teocrática, podemos perceber na votação prevista para esta semana, de um Projeto de Lei propondo a isenção de impostos para igrejas, a despeito de o Estado se declarar laico.


João Pessoa, 19 de março de 2024.


* Texto ditado pelo autor, e digitado por Elizabete Santos Pontes, Gabriel Luar Calado Bandeira e Heloíse Calado Bandeira, a quem o autor expressa sua gratidão.


terça-feira, 12 de março de 2024

A eficácia político-pedagógica da militância de Breno Altman: Notas acerca de sua exposição anti-sionista, na Paraíba

 A eficácia político-pedagógica da militância de Breno Altman: Notas acerca de sua exposição anti-sionista, na Paraíba 


Alder Júlio Ferreira Calado 


Na véspera da comemoração do natalício de Gregório Bezerra (13/03/1900-21/10/1983), admirável lutador popular, a quem prestamos nossa homenagem, cuidamos de compartilhar um registro acerca da presença de Breno Altman, na Paraíba, para lançamento do seu livro “Contra o Sionismo: Breve história de uma doutrina colonial e racista”


Figura de referência da Esquerda, o Jornalista Breno Altman tem-se notabilizado pela qualidade de suas análises e de suas intervenções orais e escritas, seja no plano internacional, seja no âmbito nacional. Por meio de sua participação diária, tanto em canais alternativos (ora em “Opera Mundi”, ora no canal Brasil 247 e em outras redes digitais), vem se mostrando reconhecidamente e qualificado pelas suas análises e intervenções criteriosas.


Apresentando-se como Judel, de espectro anti-sionista, tem-se tornado alvo predileto, sobretudo por conta de sua corajosa oposição e denúncia das atrocidades cometidas pelo Governo sionista de Israel contra o Povo Palestino, de sistemática perseguição pelas forças sionista e ultra-Direita, a exemplo da Conib (Confederação Israelita do Brasil), que lhe tem movido ação judicial por suposta posição anti-semítica.


Ao invés de limitar-se a mera defesa, no plano judicial, Breno Altman não tem cessado de responder, ativa e altivamente, a tal perseguição, seja por meio de entrevistas, seja pela publicação de seu recentíssimo livro “Contra o Sionismo” (Alameda Editorial, 2023), seja ainda pela fecunda iniciativa de debater a questão sionista, desde suas raízes histótica e sua evolução desssastrada, percorrendo as 27 unidades federativas do Brasil, inclusive a Paraíba. As linhas que seguem, se circunscrevem a fornecer uma breve notícia de sua recente passagem pela Paraíba.


Com o apoio e solidariedade de múltiplas entidades da sociedade civil (Entidades Sindicais, de Movimentos Populares, de correntes partidárias e estudantis), Breno Altman esteve também na Paraíba, no início da semana passada, tendo cumprido 6 compromissos, sendo 3 em Campina Grande (no meio sindical, com os estudantes e na UFCG) e 3 em João Pessoa (no Sindicato dos Correios, na Assembleia Legislativa e na UFPB).


Aqui nos limitamos a destacar aspectos axiais de sua exposição feita, na UFPB, no dia 05/03 próximo passado, encontrando o auditório 411, do CCHLA completamente lotado, especialmente por jovens. Tendo-lhe sido passada a palavra, Breno Altman, após a saudação inicial, começou por apresentar as razões de sua presença: esclarecer sobre a relevância do tema, que hoje desponta como a questão mais urgente para o mundo e a necessidade de aprofundamento dessa questão, para um enfrentamento exitoso.


Em seguida cuidou de enfrentar, em perspectiva histórica, os fundamentos e a evolução do Sionismo. As atrocidades, ainda em curso, cometidas pelo Sionismo contra os Palestinos, não datam de 07/10/2023, em consequência da violenta insurgência do Hamas, mas constituem prática corriqueira, há pelo menos 75 anos, ou ainda mais precisamente desde o final do século XIX, quando o Congresso sionista inspirado nas teses de Theodor Herzl (1860-1904), realizado em Basileia (Suíça). Cometendo uma fraude de interpretação histórica, assumida pelo congresso, segundo a qual, diferentemente da interpretação vigente durante séculos, de que somente a partir da chegada do Messias, o Povo Judeu cuidaria de retornar ás suas origens geográficas, Herzl contra propunha a tese de que se deveria começar já os preparativos para a chegada do Messias, promovendo desde ja o retorno dos judeus ás suas origens geográficas, disperssados que haviam sido pelo mundo, principalmente na Europa após as antigas diásporas.  


Desde então, seguiram-se, sobretudo no período pós-Primeira Guerra (1914-1918), sucessivas e crescentes investidas dos sionistas contra a terra e a gente Palestinas. Contando com o poderoso financiamento de tropas bem armadas a invadirem aldeias, a expulsarem os palestinos de sua terra, as centenas de milhares, com o apoio do Reino Unido, dos Estados Unidos, da França e de outras potências europeias, os Sionistas foram apropriando-se a força de grande parte das terras palestinas, ao tempo em que promoviam o retorno de euro-judeus a estas terras, para ocupá-las e civilizá-las ao arrepio dos direitos mais elementares do povo palestino.


Após a segunda guerra mundial, em virtude de grande comoção suscitada pelo holocausto (do qual foram vítimas 6 milhões de judeus), a recém-fundada ONU acabou consentindo uma partilha de territórios  profundamente injusta para com os Palestinos, na qual estes que antes ocupavam a enorme parte do território, tiveram que perder suas propriedades para os novos colonizadores. Pacto evidentemente a que se opuseram os palestinos, com a solidariedade dos povos Árabes. 


Desde então, há mais de 7 décadas, sucedem violentos conflitos, opondo, de um lado, os colonos invasores (os sionistas) e, por outro lado, a resistência árabo-palestina, dos quais os mais atrozes ocorreram em 1967, quando da chamada “Guerra dos Sete Dias “, o de 1973 e o atual genocídio, que ja dura 5 meses, perpretado pelo Gorverno de Israel contra os Palestinos na Faixa de Gaza.


Em sua exposição, Breno Altman destaca que tal genocídio não teria lugar, sem a cumplicidade dos Estados Unidos, da Grã-Betânia e das potências imperialistas do Ocidente, que lhe fornecem pesados armarmentos, combustível e apoio logístico. Breno Altman, ao final de sua fala, fez questão de reconhecer a relevância da corajosa denúncia feita pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva das atrocidades cometidas pelo Governo de Israel contra o Povo Palestino, parte expressiva do qual formada por vítimas inocentes, principalmentes crianças e mulheres.


Pelo exposto, podemos observar, não apenas a qualidade da fala do expositor, como também a eficácia de sua militância política, inspirando-nos a seguir adiante, em uma resistência proativa, especialmente no tocante às nossas organizações de base solidariedade ao Povo Palestino.


João Pessoa, 12 de Março de 2024            

quinta-feira, 7 de março de 2024

Educação Popular e Teologia da Libertação: A contribuição de Paulo Freire e outros cristãos de Esquerda

 Educação Popular e Teologia da Libertação: A contribuição de Paulo Freire e outros cristãos de Esquerda 


Alder Júlio Ferreira Calado 


Ainda teremos muito que aprofundar as reflexões sobre a notável confluência entre a Teologia da Libertação e a Educação Popular. Parece-nos oportuno trazer alguns elementos que reforçam tais liames de afinidade entre, de um lado, o modo como atuam as principais referências da Teologia da Libertação (ou, como preferem as novas gerações desta corrente, as “Teologias da Libertação”) e, por outro lado as principais referências da Educação Popular, das quais Paulo Freire costuma ser tomado como representante emblemático.


O “Rumor de Botas” (Eder Sader) que infelicitou por décadas, o Brasil e o Cone Sul, não conseguiu silenciar vozes proféticas de teólogos e militantes e intelectuais Cristãos. Enorme é a lista desses teólogos e teólogas da Libertação - Católicos e Protestantes - diversos dos quais também faziam interlocução com a Educação Popular. Dentre eles/elas, podemos citar, a título de exemplo: Paulo Freire (1921-1997), Ivan Illich (1926-(2002), Gustavo Gutiérrez (1928- ), José Comblin (1922-2011), Hugo Assman (1933-2003), Carlos Mesters (1931- ), Leonardo Boff (1938- ), Clodovis Boff (1944- ), Marcelo Barros (1944- ), Jon Sobrino (1938- ), Ignácio Ellacuría (1930-1989), Hugo Echegaray (1940-1979), José Severino Croatto (1930-2004), Gilberto Gorgulho (1933-2012), Ana Flora Anderson, Enrique Dussel (1934-2023), José Oscar Beozzo (1941- ), Eduardo Hoornaert (1930- ), Luiz Alberto Gomez de Souza (1935- ), Franz Hinkelammert (1931-2023), Elsa Tamez (1951- ), Ivone Gebara (1944- ), Maria Clara Bingemer (1949- ), João Batista Libânio (1932-2014), Frei Betto (1944- ), Phillip E. Berryman (1938- ), Pablo Richard (1939-2021), Ronaldo Muñoz (1933-2009), Vitor Codina (1931-2023), José Maria Vigil (1946- ), Giulio Girardi (1926-2012), Segundo Galilea (1928-2010), Juan Luís Segundo (1925-1996) (Teólogos Católicos); Richard Shaull (1919-2002), Julio Barreiro (1922-2005), José Miguez Bonino (1924-2012), Julio de Santa Ana, Jorge Pixley (1937-2023), (1934-2023), Joaquim Beato (1924-2015), Anivaldo Padilha (1940- )Rubem Alves (1933-2014), João Dias de Araújo (1930-2014), Orlando Fals Borda (1925-2008), James Wright (1927-1999), Paulo Ayres Mattos (1940-2022), Almir Santos, Waldo César (1922-2007), Jether Pereira Ramalho (1922-2020), Zwinglio Mota Dias, José Bittencourt Filho (Teólogos Protestantes).


Com efeito, por conta de uma conjuntura latinoamericana e brasileira de crescente efervescência social e política, podemos constatar um fecundo diálogo entre a então nascente teologia da libertação com a Educação Popular. As notas que seguem, tratarão de enfatizar traços relevantes desta confluência.


Teologia da Libertação dá sequência a um longo processo histórico de Libertação


Da parte da Teologia da Libertação, observamos antes de tudo, uma retomada de uma longa trajetória histórica que remonta a relatos bíblicos (Êxodo, Profetas…) e ao Movimento de Jesus, às comunidades cristãs dos primeiros séculos, as posições proféticas de teólogos como João Crisóstomo, Basílio de Cesareia, Gregório Nazianzeno; aos Movimentos Pauperísticos (Valdenses, Fraticelli, as Beguinas), os Hussitas (Jan Hus), Thomas Müntzer, Antonio de Montesinos, Pedro de Córdoba, Bartolomeu de las Casas. E outros Cristãos revolucionários, nos últimos séculos. De fato, ao falarmos da Teologia da Libertação, A despeito do nome, não se trata propriamente de uma novidade, ainda que estejamos nos referindo a “minorias abraâmicas”, no dizer de (Dom Helder Câmara), em sua ação profética ao longo da história.Trata-se, antes, de uma continuidade que comporta alguma descontinuidade, alguns traços novos (daí, falar-se hoje em “Teologias da Libertação”). 


Origens recentes da Teologia da Libertação: a precedência de teólogos protestantes


Se é certo que, quanto ao nome do livro “Teologia da Libertação: perspectivas“, de autoría de Gustavo Gutiérrez, que é celebrado como o texto-referência, desde 1971, também é certo que, desde os anos 50, a temática “Revolução“ / “Libertação (data de 1953 a publicação do livro “O Cristianismo e a Revolução Social”, de autoria de Richard Shaull) foi alvo de abordagens por diversos Teólogos protestantes, a exemplo de Richard Shaull e Rubem Alves, cuja tese (orientada, inclusive, por Richard Shaull, versou sobre “Por uma Teologia da Libertação”, apresentada em 1968.)


Desde os anos 50, sobretudo em virtude do segmento progressista da Confederação Evangélica do Brasil, e mais precisamente graças à ação profética do setor de responsabilidade social, as principais lideranças e pastores da Igreja Presbiteriana, e algumas outras, protagonizaram relevantes iniciativas de estudos críticos sobre a realidade social Latino-americano e brasileira, bem como de intervenção no processo formativo do mundo jovem em que a Educação Popular constituía uma referência profundamente fecunda. 


Foi também durante esse período que figuras como Paulo Freire, Orlando Fals Borda, Carlos Rodrigues Brandão, Rubem Alves, Julio Barreiro se mostraram intelectuais de grande reconhecimento nacional e latino-americano. Graças a estes e outros Educadores e Teólogos da Libertação, reconhecidos pela qualidade de suas produções, especialmente circulantes na Revista “Iglesia Y Sociedad” e no periódico “Tierra Nueva”, este sob a responsabilidade de Julio Barreiro, principal difusor dos escritos de Paulo Freire em língua espanhola. Convém assinalar, a este propósito, o empenho especial de Julio Barreiro na divulgação da obra freireana, de tal modo que, mesmo no período ditatorial uruguaio de intensas perseguições e censuras, Julio Barreiro continuou a publicar os livros de Paulo Freire, recorrendo inclusive a editoras de outros países, foi o caso, por exemplo, da editora Siglo XXI, no México. Neste sentido, deve-se reconhecer o fecundo alcance do coletivo “ISAL” (Iglesia y Sociedad en América Latina), com sede em Montevidéu. 


Como reconhece José Bittencourt Filho, em seu artigo publicado no livro organizado por Wanderley Pereira da Rosa e José Adriano Filho, acerca do alcance do impacto da célebre “Conferência da Nordeste” (em Recife, em 1962), a fundação do ISAL representou um marco inestimável na trajetória político-eclesial - e de carater ecumenico - das principais Igrejas Reformadas, no pós-Guerra. Com efeito, das diversas iniciativas impactantes desta caminhada, a fundação do ISAL representa um dos seus pontos altos, à medida que, a despeito de sua origem institucional, atuava como um movimento propulsor de mudanças sócio-eclesiais de envergadura.


Educação Popular e Teologia da Libertação em Confluência 


Na segunda metade dos anos 50 e durante os anos 60, mostrou-se forte o compromisso entre teologia da libertação e educação popular, do qual brotaram iniciativas importantes, na América Latina, inclusive em Cuernavaca (México) e Petrópolis (Brasil), graças a liderança de Ivan Illich, Richard Shaull, Paulo Freire, entre outros. Animados por encorajadores sinais de mudança social, inclusive de caráter revolucionário, esse grupo de latino-americanos, teólogos da libertação e educadores, tornou-se uma referência reconhecida. Alguns episódios podem ilustrar melhor tal protagonismo. 


Malgrado toda uma ideologia escravocrata que marcou a ação missionária de católicos e protestantes vindos da Europa e dos Estados Unidos, importa destacar que, a partir de 1934, a fundação da Congregação Evangélica do Brasil (CEB), a despeito de certa heterogeneidade político-ideológica de seus membros, contou com integrantes progressistas que, movidos pela sua Fé, principalmente a partir dos anos 50, se mostraram comprometidos com a causa libertadora dos oprimidos, também por meio da Educação Popular. Prova convincente deste compromisso se percebe na ação político-pedagógica desenvolvida pelos coordenadores do setor de Responsabilidade Social da CEB, ao promoverem relevantes reuniões de estudos da realidade social brasileira, sucessivamente em 1955, em 1957, em 1960 e a mais importante de todas - a “Conferência do Nordeste”, - realizada em Recife, de 22 a 29 de julho 1962, sobre a qual, há cerca de um mês tivemos a oportunidade de refletir, de modo sinóptico (cf. textosdealdercalado.blogspot.com).  


A este respeito, cumpre apenas destacar pontos axiais. Dela participaram mais de 160 delegados e convidados, já que foi protagonizada não apenas por protestantes, mas também por intelectuais amplamente reconhecidos pela sua contribuição aos estudos da realidade brasileira, a exemplo de Celso Furtado, Paul Singer, Francisco Julião, entre outros. Quanto aos teólogos protestantes, entre os principais conferencistas estiveram o Revdo. Joaquim Beato e Revdo. João Dias de Araújo, cabendo ao primeiro refletir sobre os Profetas em tempos de grandes transformações sociais e políticas, enquanto ao segundo coube refletir sobre o tema do conteúdo revolucionário do ensinamento do Evangelho.


Menos de dois anos depois, instala-se no Brasil, com o Golpe de Estado de 1964, uma tenebrosa ditadura civil-militar que durou 21 anos. Cumpre sublinhar as abomináveis consequências também sofridas por muitas dessas lideranças, com a agravante de que diversos desses teólogos foram presos e torturados, vítimas inclusive de denúncias feitas e de perseguições sofridas ao interno de suas próprias Igrejas. Acerca dessas perseguições, vale a pena conferir os relatos feitos pelo Revdo. João Dias de Araújo, em seu livro “Inquisição sem fogueira: Inquisição sem fogueiras: Vinte anos de história da Igreja Presbiteriana do Brasil” (2020, Editora Resistência Reformada)


Em âmbito internacional, tal tendência também se verifica, graças à atuação de parte considerável dos integrantes do Conselho Mundial de Igrejas, com sede em Genebra, e do qual Paulo Freire foi convidado a coordenar o departamento de Educação,  de 1970 a 1980, período durante o qual resultou amplamente fecunda sua atuação, junto com sua equipe, de Educador Popular junto a lideranças de vários países Africanos, principalmente os lusófonos, densa experiência da qual ele também relata, em seu “Cartas à Guiné-Bissau” (Editora Paz e Terra 1978), relevantes experiências. Convém ressaltar, ao lado de Paulo Freire e sua Equipe, a atuação de figuras de excelência, participantes da organização do conselho mundial de Igrejas, entre as quais, só para citar um nome, o teólogo argentino José Miguez Bonino, que integrava o Comitê Central do CNI, tendo ainda sido convidado a participar como observador das sessões do Concílio Vaticano II.  


Em seu conhecido livro “Ação Cultural para a Liberdade” (Editora, Paz e Terra 1978), Paulo Freire reuniu uma notável diversidade de temas, entre os quais o tema da libertação é utilizado, em alguns textos, inclusive com referência explícita a Teologia da Libertação, escritos alguns deles em 1969, trabalhados em seminários por ele coordenados.                   


Richard Shaull, que já havia trabalhado na Colômbia, ao lado inclusive do sociólogo colombiano Orlando Fals Borda, uma vez expulso da Colômbia veio trabalhar no Brasil, como pastor presbiteriano, até que, no contexto do Golpe de Estado no Brasil, foi também expulso, tendo ido trabalhar na Universidade de Princeton, tendo sido também orientador de tese de Rubem Alves. Certa feita, ao receber a visita de Paulo Freire, que trazia consigo os originais e sua “Pedagogia do Oprimido”, foi perguntado por Shaull se se tratava da única cópia em suas mãos. Recebendo resposta positiva da parte de Freire, Shaull tratou imediatamente de fotocopiar aqueles inscritos, empenhando-se pela sua primeira publicação, em língua inglesa, da qual o próprio Shaull foi o prefaciador.


Um segundo episódio nos remete ao convite feito pelo principal representante norte-americano da Teologia Negra da Libertação, James Cone, para prefaciar a edição Argentina de seu Black Theology of Liberation. O texto deste prefácio encontra-se também publicado no livro (Coletânea de Artigos) “Ação Cultural para a Liberdade”. Após expressar o forte impacto que a leitura do livro de Cone nele causado, Freire se refere a sublinhar a profunda afinidade entre os escritos de Cone e a então nascente Teologia da Libertação latino-americana. Ambas se acham atravessadas pelo compromisso libertário com a causa dos oprimidos, inclusive com traços revolucionários, razão pela qual, afirma freire que  “ Dizer sua palavra, por isso mesmo, não é apenas dizer “Bom-dia” ou seguir as prescrições dos que, com seu poder, comandam e exploram. Dizer a palavra é fazer história e por ela ser feito e refeito. As classes dominadas, silenciosas e esmagadas, só dizem sua palavra quando, tomando a história em suas mãos, desmontam o sistema opressor que as destrói”. 


Convém ainda observar que a leitura do livro de Cone precede imediatamente a realização de um Seminário, em Genebra, animado pelo próprio Freire, no qual se trabalha a problemática “Educação e Libertação”.  


Que ensinamentos somos chamados a recolher?


Sempre tomando em conta o público-alvo preferencial de nossos escritos - jovens e adultos militantes de nossas organizações de base -, não nos cansamos de insistir na relevância do exercício contínuo da memória histórica, desde que conectada ao horizonte de nossa militância e aos compromissos (“Práxis”) de transformação social. Neste sentido, aqui tratamos de focar a fecunda parceria da Teologia da Libertação com a Educação Popular. tanto uma quanto a outra, com efeito, têm muito a nos oferecer, não apenas durante as últimas décadas. No caso da Teologia da Libertação, ao destacarmos seu potencial transformador das últimas décadas rememoramos aspectos de sua trajetória multissecular. Em certo sentido, por que não dizer algo semelhante em relação à Educação Popular, considerando, por exemplo, notáveis aspectos presentes na Pedagogia do movimento de Jesus?


Focando principalmente aspectos desta parceria, especialmente desde os anos 50, cuidamos de trazer à tona o caráter transformador desta parceria, bem como seus principais protagonistas e sua metodologia de trabalho. Observamos, ainda, como merece ser aprofundado o conhecimento da efetiva participação de teólogos protestantes (Igreja Presbiteriana, Igreja Metodista e outras) e seu empenho ecuménico testemunhado pelo menos duas décadas antes dos teólogos católicos. 


Felicitamos, com alegria, os organizadores, os autores e autoras do livro “50 Anos de Teologias da Libertação”, publicado, em dois volumes, pela Editora Recriar, por nos oferecerem uma valiosíssima contribuição de nos avivar a memória, ao mesmo tempo em que acenam para uma reavaliação e sobretudo para os novos desafios a serem enfrentados. Em três diferentes grupos, temos feito a leitura sequenciada destes dois volumes, com entusiasmo e muito proveito. Isto não nos impede de perceber certa reserva ou mesmo distanciamento da perspectiva Marxista que inspirou diversos teólogos e educadores nos anos cinquenta e sessenta. Como apreciamos a diversidade/pluralidade de perspectivas analíticas, entendemos que deve haver espaço também para o legado marxista. 


Outro ensinamento que podemos extrair da parceria alvo destas notas, nos instiga a revisitarmos o legado de tantas iniciativas protagonizadas por Paulo Freire e outras figuras de referência da Educação Popular, em trabalho conjunto com pioneiros da Teologia da Libertação, a partir dos anos 50 e 60. Nesta toada, vale também a pena ressaltarmos, por exemplo, os textos comemorativos da “Conferência do Nordeste”, um dos quais “Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro A Conferência do Nordeste 50 Anos Depois (1962-2012)”, organizado por Wanderley Pereira da Rosa e José Adriano Filho, publicado pela Editora Mauad, Rio de Janeiro ano de 2012.          


Eis, pois, alguns ensinamentos que entendemos poder recolher da reflexão sobre a fecunda parceria vivenciada por protagonistas da Teologia da Libertação e da Educação Popular. 


João Pessoa, 07 de Março de 2024


quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

A Direita controla o Parlamento / Arthur Lira aí faz a sua vez

A Direita controla o Parlamento

Arthur Lira aí faz a sua vez


Alder Júlio Ferreira Calado


Os banqueiros, o agro, as “BigTechs”

São os senhores das grandes votações


Para o público submisso à “grande” mídia

O mercado está  livre de corrupção


Transparência é opaca, e mentirosa 

“Retidão” ao Império é palavrão ela atribui 


É urgente desmontar aqueles órgãos

Que se atrevem a julgar com olhos turvos


Descartar os tais “rankings” do Mercado

É tarefa urgente a assumir


Mera tática que ilude os incautos

Propaganda enganosa, a rejeitar


Exitoso nas urnas, saiu Lula 

De Direita, porém, é o Congresso


Governar com Congresso desse tipo

É herança maldita a enfrentar


Sobretudo ante a inércia popular 

O Governo patina em ”frente ampla”


Disto usam e abusam os embusteiros

Do “Centrão”, que é Direita contumaz


Nesse espaço Arthur Lira se dá bem

Suas emendas secretas são letais  


Cerco aperta os mandantes do Golpismo

Bolsonaro generais são intimados


No G-20 não ponho minha esperança 

Mas, aposto no que faz o Sul Global


Teocracia: A pior das tiranias 

Invocar o Divino para oprimir 


Accéder à alem ao pedido de anistia 

Fortalece o golpismo tenebroso 


Isentar as Igrejas de tributos

É negar Laicidade do Estado…


É impor a não-crentes que financiam

Templos, ritos, serviços religiosos 


Sobretudo em tempos de distopia

De pastores que tosquiam seus rebanhos 


Se servindo apenas do vocábulo 

Neofascistas corroem Democracia


Quantos mais se declaram “Democratas”

Mais se empenham em minar suas raízes


São discípulos de Goebbels, em ação

A mentira é sua arma predileta 


Há pastores traindo o Evangelho 

Falam em Deus, mas O negam pela prática


Da sociedade agora é a vez 

De afastar os arautos do Fascismo 


Revoltante é saber quão numerosas 

As pessoas que apoiam o genocidio 


E pior: defendendo o Sionismo 

Como sendo cristãos… Que estupidez! 

    


João Pessoa, 28 de Fevereiro de 2024.


https://www.brasil247.com/economia/entenda-o-que-significa-o-grau-de-investimento-de-um-pais



sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Escrevendo com testemunho de sua vida de missionário itinerante: Notas sobre o livro de Glaudemir da Silva, intitulado “Contemplando e Anunciando os Sinais do Reino"


Alder Júlio Ferreira Calado


Em tempos distópicos, é-nos vivamente encorajador saborear os relatos compartilhados pelo missionário Glaudemir da Silva, de tantos achados propiciados por seu caminhar pelas estradas do Reinado de Deus e de Jesus de Nazaré, contemplando e anunciando pequenos e grandes sinais manifestos na convivência do povo dos pobres, nas “periferias geográficas e existenciais”, para evocar uma expressão do Papa Francisco. Seu livro é portador de enorme força mobilizadora, a falar com autoridade e de modo convincente, de forma a tomar a sério a recomendação petrina: “Estai pronto a dar razão da vossa esperança“ (1 Pe. 3,15).


Em 18 capítulos em que o livro está dividido, o autor vai descortinando, de maneira didática e estimulante, tantos achados resultantes de sua contemplação e de seu empenho missionário em anunciar o Reino de Deus. Sempre atento às fontes bíblicas e às referências de autores como José Comblin, Glaudemir logra entusiasmar o leitor/a leitora, desde suas primeiras páginas. Por sua vez, como autor do prefácio, o missionário João Batista Magalhães Salles se mostra bastante feliz, ao saborear e ao compartilhar diversas pérolas que recolhe desta tocante leitura, contagiando assim o leitor/a leitora, que também se apressa a experimentar os sabores destes relatos.


Antes de destacar algumas destas pérolas que também recolhi, cuido de fazer uma brevíssima notícia acerca do próprio autor. Sergipano, nascido em Ilha das Flores, em Glaudemir cedo desperta um chamamento especial ao serviço comunitário, quando ainda adolescente, fizera parte da caminhada do Povo de Deus, como membro de uma comunidade eclesial de base, que tem como padroeiro um santo franciscano: Santo Antônio. Daí nasce em Glaudemir a devoção a São Francisco e o desejo de se tornar missionário franciscano, Inicialmente atraído pela vida franciscana, não tardou, sob a influência de Frei Enoque Salvador, a compreender a radicalidade do espírito de Francisco de Assis, tendo optado pela vida missionária itinerante.


Foi no campo da Teologia da Enxada, na convivência com outros jovens nordestinos participantes do Centro de Formação Missionária, em Serra  Redonda - PB, em meados dos anos 80, que começou a experimentar a força da espiritualidade libertadora, característica deste processo, animado pela Equipe de formadores integrada por figuras tais como o Pe. José Comblin, João Batista Magalhães Sales, Raimundo Nonato Queiroz, Alder Júlio Calado, Irmã Zarita, Irmã Agostinha Vieira de Melo, Irmã Maria Emília Ferreira, Irmã Adélia Carvalho e outras.


Em seu processo formativo de missionário itinerante, tem cultivado especialmente uma frutuosa combinação da vida contemplativa (integra a Fraternidade do Discípulo amado, hoje presente em Abreu e Lima - PE, tendo a fraternidade passado algumas décadas recolhida no Sítio Catita, município de Colônia Leopoldina - AL) e da atuação como missionário do campo (integra, desde a fundação, em meados dos anos 90, a Associação dos Missionários e Missionárias do Campo), a percorrer e a animar diversas experiências de formação de jovens cristãos, em diferentes Estados do Nordeste e do Mato Grosso.         


Após sua formação inicial (Teologia da Enxada), concluiu o curso de teologia, na UNICAP-PE, pós graduando-se em curso de especialização em Ciências da Religião, tendo inclusive seguido um curso de iniciação ao ebraico, ao mesmo tempo, voltou-se também ao processo formativo oferecido pela Escola Nacional Florestan Fernandes e a cursos de Educação Popular de orientação freireana, permitindo-lhe atuar como educador popular junto a diversos segmentos populares, dentro e fora da igreja. Desta experiência de Educação Popular se acham impregnadas várias páginas do seu livro. Na companhia de outros missionários e missionárias, Glaudemir segue acompanhando como professor, ora em Floresta - PE, ora em São Félix do Araguaia - MT, as escolas de formação missionária espalhadas pelo nordeste (Juazeiro - BA, Esperantina - PI, Floresta - PE, Barra - BA, São Félix do Araguaia - MT, Solânea - PB). 


Glaudemir nos brinda com dois escritos mais recentes, um dos quais estamos a comentar. Nos primeiros capítulos ele dedica a contextualizar e explicar o sentido bíblico do Reino de Deus, sempre bem fundamentado. Empenha-se, de maneira didática, em apresentar a Boa Nova do Reino de Deus, de modo a tomarem conta de sua atualidade, sua incidência privilegiada na vida do povo dos pobres.


Como muito bem destaca João Batista Magalhães Sales, no prefácio do livro, Glaudemir, em sua itinerância missionária vai recolhendo pérolas preciosas de testemunhos dados por pessoas simples, anônimas, mulheres e homens dos quais uma perspectiva burguesa menos ou nada esperaria. São pessoas portadoras de gestos, de iniciativas de enorme solidariedade, de partilha, de generosidade, de alegria contagiante, mesmo em situações de grande pobreza. Em todos os 18 capítulos, Glaudemir se empenha, graças a sua ação missionária itinerante, em meio ao povo dos pobres, em compartilhar o que vê, o que escuta e o que sente. À semelhança do que A Divina Ruah inspirava em Moisés e Miriam, no antigo Egito, como lemos no capítulo três do Livro de Êxodo, hoje também os novos Moisés e as novas Miriam continuam a resistir e a lutar contra os novos faraós: as multinacionais, os grandes proprietários de terra, o agronegócio, os banqueiros, a mídia hegemônica, as igrejas fundamentalista…  


Temos em mão um livro que não apresenta palavras jogadas ao vento, mas brota de experiências vivas e vivificantes, feitas por alguém que tem dedicado sua vida ao Seguimento de Jesus, em comunhão com os prediletos do Reino. Não é por acaso que, desde o título do livro o autor se mostra fiel ao que ali é proposto. Nesta leitura, não se encontram tantas alusões a Igrejas ou a templos, mas a relatos vividos e colhidos da trajetória existencial e comunitária dos pobres, como expressão da presença revolucionária do Reino de Deus.


Também, nos capítulos finais, o autor, após compartilhar tantas pérolas recolhidas de sua rica experiência de aprendizado no meio dos pobres, desafia  cada leitor, cada leitora a examinar como busca responder à vocação ao chamamento de dar razão a sua esperança, fazendo-nos questionamentos decisivos: “E nós, já descobrimos onde encontrar o Tesouro escondido do Reino? Já temos a coragem de abandonar tudo aquilo que nos impede de segui-lo? O que fazer com o Tesouro que acabamos de encontrar?” (pp. 167). Duas observações finais sobre o livro. O trabalho de Glaudemir é expressão viva de quem leva a sério, na alegria e na esperança, sua missão profética, o Discipulado e a Missão de anunciar e testemunhar, principalmente junto ao povo dos pobres, os prediletos de Jesus, o anúncio e a presença do Reino de Deus. Por outro lado, tal testemunho reforça nossa convicção de que essa trajetória supõe, além da força da Graça, um processo contínuo de formação, pessoal e comunitária. 


Este é um livro para ser lido pessoal e comunitariamente, de modo a suscitar um crescente compromisso com as causas do Reino de Deus e sua justiça. Obrigado, Glaudemir!


P.S. Às pessoas interessadas em adquirir o livro de Glaudemir, informo que podem fazê-lo ao preço de 50 reais. Contato: (81) 9877-97790


João Pessoa, 23 de Fevereiro de 2024